Problemas de criminalidade econômica e empresarial: os desafios impostos ao legislador, à doutrina e à jurisprudência
- Tatiana Stoco
- 18 de jul.
- 4 min de leitura
Atualizado: 21 de jul.

À medida em que a criminalidade econômica e empresarial se expande no mundo físico, como fenômeno, os problemas que se apresentam à dogmática jurídico-penal são igualmente ampliados, como questões normativas. Não sem antes imporem outros desafios ao legislador, que deve dar conta de proteger bens jurídicos dignos de tutela, e à jurisprudência, que tem de lidar com os casos concretos e buscar racionalidade e respeito aos valores invioláveis do Direito Penal, oferecendo soluções juridicamente acertadas.
Ao observamos o surgimento das normas de direito penal econômico e sua impressionante expansão no último século, nos deparamos com o desafio imposto ao legislador: proteger bens jurídicos coletivos (como os direitos dos consumidores, a arrecadação de impostos, a confiança no mercado de valores mobiliários, a segurança do sistema financeiro etc.) contra ataques cujos resultados podem ser incalculáveis e atingir uma infinidade de pessoas. Ainda, proteger esses mesmos bens jurídicos contra lesões e perigos que possam ser causados a partir da atuação de complexas estruturas empresariais.

Qual a melhor estratégia para a proteção desses bens jurídicos que, hoje, mais do que em outros tempos, se vêm cada vez mais vulneráveis diante dos avanços tecnológicos e da flexibilização das fronteiras mundo afora? De que forma o legislador deve prever condutas incriminadoras que contemplem adequadamente a forma com que o fenômeno criminoso se dá no plano do real?
Crimes de perigo abstrato e concreto passam a ocupar um protagonismo antes não normalmente visto na produção legislativa, justamente como uma estratégia de proteção contra ataques a bens jurídicos coletivos sobre os quais não faria sentido aguardar-se a concretização de uma lesão, sob pena de mantê-los absolutamente desprotegidos. Normas penais em branco também passam a ser largamente utilizadas, já que os campos sobre os quais o Direito Penal Econômico atua são já bastante regulados pela Administração Pública. Essas soluções, por sua vez, criam outros desafios à dogmática: crimes de perigo, em especial, de perigo abstrato, violam o princípio de lesividade, tão caro ao Direito Penal dos Estados Democráticos de Direito? Normas penais em branco seriam meros reforços da tutela administrativa, que transformam o Direito Penal num simples instrumento simbólico, mas que se utilizam da forma mais invasiva à liberdade dos cidadãos - a pena criminal?
A dogmática ainda tem de lidar, evidentemente, com problemas ainda mais complexos e concretos: se a criminalidade empresarial, tipicamente, se dá dentro de uma estrutura complexa e hierarquizada, que conta com a participação de múltiplos agentes, como lidar com os requisitos para a imputação objetiva do resultado? Como estabelecer o nexo de causalidade entre conduta e resultado, quando se está diante de tantos agentes e tantas condutas? Ainda, como atribuir o elemento subjetivo dos tipos penais diante da fragmentação de informações, típica de estruturas departamentalizadas? Como solucionar problemas ligados ao erro quanto à ilicitude do fato ou mesmo com a revogação de normas administrativas que servem como conteúdo de proibição às normas penais em branco?
A dogmática vem fazendo seu papel, e as soluções oferecidas pela doutrina jurídico-penal para todas essas questões têm sido um debate constante. Elas passam pelos critérios para a delimitação do risco proibido, imprescindível para a imputação objetiva; pelo questionamento do elemento volitivo do dolo e, até mesmo, do elemento cognitivo do dolo, como sugerem algumas proposições de autores que sustentam a possibilidade da atribuição dolosa sempre que o agente se colocar em uma posição de cegueira injustificada diante dos fatos. Elas também se dedicam a identificar adequadamente os requisitos para poder afirmar-se uma responsabilidade omissiva por parte de dirigentes de empresas, ou seja, estabelecem as condições para a afirmação correta do poder e do dever de agir para evitar o resultado, oferecendo, ainda, uma fundamentação convincente para a equiparação entre ação e omissão.
Têm sido essas soluções, por sua vez, as criadoras dos maiores desafios à jurisprudência - que, ao menos no Brasil, sente-se frequentemente no dever de oferecer respostas aos casos concretos que “façam justiça” aos danos causados pela atuação de grandes empresas, ofertando decisões menos jurídicas e mais propagandistas. Diante de casos complexos e das dificuldades em se afirmar, concretamente, os rigorosos requisitos amplamente discutidos pela doutrina, a jurisprudência acaba por reduzir-lhes o rigor, minimizar as dificuldades e, até mesmo, subverter teorias. Frequentemente, a mera posição hierárquica de dirigentes serve de fundamento único para a afirmação de um alegado “domínio da organização”, ou de um “dever de agir” decorrente da ocupação de um cargo, ainda que no caso concreto, o agente desconhecesse absolutamente o risco da prática de crimes ou elementos do fato delitivo. É o que já se observou na aplicação da dita cegueira deliberada; no manejo da teoria do domínio do fato, na forma de “domínio da organização”, e na aplicação dos critérios da teoria da imputação objetiva e da omissão imprópria.
E assim, finalmente, os desafios novamente se voltam à dogmática: a ela cabe o papel fundamental de continuar refletindo e solucionando problemas,
oferecendo fundamentos idôneos e racionais, e zelando pelos valores invioláveis do Direito Penal. Não para propagar teses, nomeá-las de “teoria” e regozijar-se pelo seu mérito de descobrir soluções coerentes aceitáveis. Ela deve cumprir seu papel, antes de tudo, para poder dialogar com aqueles que julgam o fenômeno criminal diariamente, dar-lhes material de reflexão e possibilitar-lhes a difícil missão de solucionar casos reais.
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